Hernando de Soto, economista peruano, foi inovador ao argumentar que o título de propriedade tem efeito positivo na renda da camada mais pobre da população. Como assessor de Fujimori, antes do golpe, tentou implantar reformas de simplificação regulatória no país, a fim de diminuir a informalidade da economia e garantir o direito de propriedade de maneira mais ampla. Percebeu que idéias, mesmo que grandiosas, passam pela política afim de serem implementadas. Não pôde ser considerado um grande gestor público, porém sua influência foi bem recebida por organismos multilaterais, a exemplo dos indicadores “Doing Business” produzido pelo Banco Mundial, e vários governos de forma bastante calorosa.
Maurício Moura, um grande amigo, acabou de apresentar a tese de doutorado dele na FGV-EAESP e Universidade George Washington (EUA). Fez um estudo empírico bastante interessante na região de Osasco. Em uma comunidade específica, comparou os efeitos em renda e indicadores sociais antes e depois da regularização da propriedade. Sua conclusão vai ao encontro da teoria de Soto: a regularização fundiária tem efeito positivo em renda. Estudos como este são sempre bem-vindos no Brasil, pois ajuda a nos entender melhor a partir de dados – e não somente hipóteses.
O que isso significa do ponto de vista de políticas públicas? A informalidade no Brasil é grande. A economia política que perpassa o processo de regularização fundiária não é tão simples. Embora a regularização fundiária pode ser uma política pública exitosa, ela não é sempre a melhor estratégia. Por que?
Foto: Márcio Fernades (modificada).
1) Muitas vezes as áreas de favelas não podem ser habitadas por razões de risco ambiental. A região sul de São Paulo, à beira da represa Guarapiranga, é um caso clássico de uma ocupação desenfreada em um local que não poderia ser habitado. Hoje são quase 1 millhão de habitantes à margem da represa. Nesta região, se o governo regularizar a propriedade, está dando o consentimento de uma ocupação territorial que prejudica a maioria da sociedade, seja por afetar negativamente o fornecimento de água ou seja pela degradação do meio-ambiente. O governo deve fazer valer a lei, não permitindo a ocupação, como também orientar o ocupante sobre outras alternativas de moradia. O invasor deveria ser punido imediatamente. Aqueles que estão instalados, deveriam ser retirados. Claro, que o custo de político de retirá-los é extremamente alto. Há algum tempo, o governo do estado, por meio da Sabesp, tenta fazer isso a um alto custo. Há outros exemplos disponíveis no país, como a instalação de moradias em morros ou mangues.
2) Na maior parte das vezes, a regularização fundiária é conduzida por uma lógica política de premiar parceiros locais que contribuem em eleições com determinado partido político. Portanto, a isonomia na escolha dos beneficiados é comprometida de maneira significativa. A transparência no processo e a clareza das regras – assim defendido por de Soto – são variáveis fundamentais para implementar uma política como esta.
3) As cidades brasileiras foram crescendo de maneira desordenada, seja por pressões do setor imobiliário ou seja por ocupações ilegais. O despreparo operacional do governo sempre foi presente. Isso faz, por exemplo, com a maioria das capitais brasileiras não tenha muito espaços verdes e de lazer bem distribuídos. Claro que estas questões estão ligadas ao zoneamento urbano de cada município. Elaborar e fazer cumprir a lei de zoneamento municipal é imprescindível para não caírmos no mundo de faz-de-conta das políticas públicas do papel. A regularização imobiliária é um mecanismo que o governo tem de implentar esta lei. Política sempre existirá, mas certa racionalidade é recomendável para que futuras gerações vivam bem.
Como sempre, temos desafios enormes em rumo ao desenvolvimento. Para compreendê-los melhor, precisamos de análises robustas que suportem as políticas públicas adotadas. Não tenho dúvida que Maurício deu uma contribuição crucial para este debate. Mas temos muito trabalho a frente.
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