Hoje o Valor trouxe uma matéria de Assis Moreira sobre saúde global que traz pontos bastantes importantes para o debate internacional (clique aqui). Dei um breve palpite, como pode ver no final da reportagem.
Saúde é uma das grandes bandeiras diplomáticas do Brasil tanto em fóruns internacionais como em cooperações técnicas com outros países em desenvolvimento. Saúde é também uma das grandes armadilhas em que os mais pobres estão acometidos. Poucos são os economistas, incluindo os céticos, que argumentam contra o subsídio de saúde nos países de baixa renda. Talvez a dimensão do problema da falta de acesso à saúde possa ser subestimada por muitos brasileiros porque, em última instância, todos sabemos que podemos recorrer ao SUS.
Porém, a gestão da governança de saúde global é tão complexa quanto a do SUS, guardada as proporções. Mesmo que ninguém discuta seus méritos e resultados. O artigo tangencia quatro pontos importantes, sobre os quais trago mais questionamentos do que respostas.
- Governança global: como fazer com que a agência responsável pela normalização e regulação da saúde em nível global (OMS) esteja alinhada aos maiores financiadores de programas bilaterais e multilaterais de saúde global no mundo? Coordenação é o nome do desafio que está longe de ser resolvido.
- Público x Privado: Como garantir com que agências internacionais tratem o provimento de saúde global livre de interesses comerciais privados? Até onde vai o lobby da indústria farmacêutica? Até onde governos nacionais dos países desenvolvidos irão legitimar diplomaticamente esse lobby? São perguntas que estão soltas no ar burocrático de Genebra, mas que impactam milhões de vidas.
- O fator Gates: Nos últimos anos, a Fundação de Bill Gates (mais de US$ 30 bi em ativos) tornou-se um dos maiores doadores de organizações internacionais e da sociedade civil que trabalham com saúde global, como o jornalista do Valor bem mencionou. Ao aportar grandes somas de recursos a diversos atores, Gates passou a ter uma influência ímpar no setor e adquiriu aparentemente um status presidencial. Discursa em fóruns até exclusivos a chefes de estados, como a Assembléia Mundial de Saúde e Reunião de G-20. A atual sistema de governança global está preparado para o fator Gates? E se aparecerem outros “Gates”?
- Financiamento, negociação e responsabilidades: Se os problemas são evidentes e afetam tantas vidas ao redor do mundo, porque não resolvê-los? Como todo assunto internacional é preciso negociação – que já está em curso. Parte da conversa é saber quem vai pagar a conta. O modelo atual não está funcionando, portanto é também preciso negociar responsabilidades também. Qual o papel dos governos nacionais, dos doadores tradicionais e dos emergentes? E a sociedade civil e o setor privado? Como inserir a coordenação entre diferentes atores do setor no processo de divisão de responsabilidades?
Reformar o sistema de saúde global parece uma cirurgia sem diagnóstico preciso, mas com profusão de sintomas. Em algum momento o médico precisará iniciar a operação, pois sabe que para curar o paciente é preciso remover os cancros e tratar as infecções. A grande diferença é que tal cirurgia precisa ser acordada entre 194 países, organizações internacionais já existentes, ONGs e setor privado. Se a medicina respeitasse o mesmo timing dos processos de negociação internacional, estaríamos todos mortos.
Deixe um comentário